Felicidade, esperança e liberdade

   Vou fazer um balão para abordar o assunto que eu quero, mas vai valer a pena.

   Você conhece o mito de Pandora? Segundo a mitologia grega, a primeira mulher a pisar na Terra, que trouxe consigo uma caixa, ou um jarro, tanto faz, no qual todos os males da humanidade estavam guardados? Então. Segundo esse mito, quando a caixa foi aberta, todos os males escaparam, e a única coisa restante dentro da mesma foi a esperança.
   Vamos fazer um jogo de lógica aqui. Os deuses "engarrafaram" todos os males dentro dessa suposta caixa. Por qual motivo eles colocariam esperança lá dentro? Vamos analisar a situação do mundo nesse contexto. Os males estavam TODOS soltos no mundo, a humanidade estava fadada e certamente destinada ao fracasso sem nenhuma possibilidade remota de retornar à era de perfeição que houve anteriormente. Friedrich Nietzsche escreveu, em Humano, Demasiado Humano, que “Zeus quis que os homens, por mais torturados que fossem pelos outros males, não rejeitassem a vida, mas continuassem a se deixar torturar. Para isso lhes deu a esperança: ela é na verdade o pior dos males, pois prolonga o suplício dos homens”. Ou seja, a esperança era, nessa concepção, uma ferramenta de tortura dos deuses.
   Mas seria a esperança nessa situação uma tortura de fato? Bem, há algum tempo atrás eu havia escrito um texto que posteriormente tive o péssimo impulso de excluir, mas vou tentar reconstruir meu raciocínio aqui.
   Pensando na vida linearmente e vendo a nossa felicidade como um gráfico, podemos supor que em algum momento, a nossa felicidade atingirá um pico que nunca mais conseguiremos ultrapassar. E a cada dia que passa, aumenta a possibilidade de já termos passado esse ponto. Como podemos viver, conscientes de que nunca mais seremos tão felizes quanto fomos um dia? Ainda mais quando, acredito eu, as pessoas tenham por objetivo final na vida atingir sempre um estágio de felicidade ainda maior.
   Essa perspectiva, a primeiro momento, é desoladora, mas não nos traz a ideia de que "nunca mais poderemos ser felizes". Apenas reflete que linearmente atingimos estágios que não são repetidos.
   Quando buscamos felicidade ou momentos de felicidade na nossa vida, existem milhares de variáveis que podem interferir em sua intensidade. A expectativa imposta naquele momento feliz, a esperança de que aquele momento vai ser o melhor que você já viveu, o medo de ele o ser de fato, praticamente todas inconscientes. Todas essas interferem na linearidade desse sentimento na nossa vida, pois, se formos analisar essa busca e recompensa, acabamos por sermos apenas colecionadores de memórias boas, e é isso que nos move. A esperança de que o nosso próximo passo será melhor que o anterior é o que nos faz andar para frente, e a lembrança de toda a nossa caminhada é o que nos faz ter orgulho de andar até ali.
   Mas e aí? Esse discurso é maravilhoso, mas como vivemos conscientes de que houve um passo na nossa história que provavelmente foi o melhor que nós já demos e que nunca será ultrapassado? A esperança passa a ser um método de tortura, como foi para a humanidade após a abertura da caixa de pandora? Ou o desconhecimento do nosso futuro garante um fetichismo do destino que nos permite viver considerando a esperança como uma força motriz? Bem, vamos para outra análise filosófica aqui.
   Sabe a contradição da onisciência e da liberdade? Eu explico. Se encaramos o futuro como uma linha única de acontecimentos imutáveis e imaginamos um ser que tenha a capacidade de visualizá-la em toda a sua extensão, há uma contradição ao pensarmos que nossa vida é, de alguma forma, livre para decidirmos escolhas. Se o nosso futuro já está previsto, quer dizer que de alguma forma ele já está escrito, então do quê adianta tentarmos tomar alguma decisão? Se largamos mão de tudo, isso já estava previsto, se continuamos vivendo, isso também já estava. Se isso acontece, não existe livre arbítrio, uma vez que nossa existência já está traçada.
   Em segunda análise, podemos pensar no futuro como uma trilha cheia de clareiras com várias opções de caminhos a serem tomados, e que de fato podemos trilhar nosso caminho que nos leva a possibilidades literalmente infinitas, e a ideia de um ser onisciente nesse caso se torna viável ao considerarmos o seu conhecimento como a sapiência de todas as infinitas possibilidades e infinitos resultados para cada uma.
   Agora, empiricamente, faz diferença saber qual das duas alternativas é a certa? Em ambos os casos continuaremos vivendo a nossa vida, o tempo continuará passando de forma a nunca podermos tomar atitudes diferentes das que nós tomamos e a ideia de destino acaba se tornando tão real e tão mítica quanto a ideia de liberdade, e no fundo... Acaba não fazendo diferença. Cientes de que não sabemos se há livre arbítrio ou destino, nos resta apenas viver almejando melhorar nossa condição a cada dia, buscando sempre um momento mais feliz, já que, na pior das hipóteses, nosso destino já está traçado.



   Eu poderia escrever mais dez parágrafos sobre como é a nossa resposta biológica para cada uma dessas questões de expectativa e esperança, mas depois de acabar o texto nesse ponto acredito que esse não seja o lugar para debater isso, e convenhamos, eu não quero queimar pauta.

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